Nos últimos anos, as roupas serviram o desconforto, a insegurança, a incerteza. Hoje, as diretrizes invertem-se: queremos arrumar-nos até para a mais pacata das ocasiões. Queremos irromper pelo silêncio com a certeza da nossa presença. Queremos assumir que existimos. Os anos 50 serviram de escopo para a coleção que desfila hoje, apontando luz às suas diferenças e semelhanças. Burnish: polir, lustrar, abrilhantar. A nossa personalidade outrora limada ironiza uma feminilidade criada à luz da história. Factos são factos, também na Moda: precisamos olhar para trás e apropriar-nos do passado. Criemos a nossa própria narrativa.
A imagem da dona de casa perfeita com um top coat de brilho extra ainda existe? A Barbie está de volta, mas as aparências iludem. As formas que envolvem o corpo e o constrangiam são reinterpretadas por Vera Fernandes para dar liberdade e movimento. Os tecidos estampados com vichy deixaram de ser suaves, como na década de 50, e são maleáveis como folhas de papel, fazendo ruído ao caminhar. Os polka dots extrapolaram em tamanho e multiplicaram-se de forma imperfeita, assumindo as falhas humanas que são naturais. As cores rebuçado tomam caráter sarcástico e escurecem. As silhuetas XXL tomam conta do cenário e as transparências nas malhas pretas revelam segundas intenções. A maquilhagem colorida adiciona o statement final, os cabelos deixaram cair os rolos.
Há um classicismo que se deixa ficar pelo embelezamento da espécie se quisermos não assumir que os tempos mudaram. Não aceitar que os papéis sociais estão longe do que já foram ontem, ainda mais longe do que serão amanhã. O poder de fazer barulho está nas nossas mãos. Um olhar alternativo sobre o óbvio, uma forma de restituir presença, um ‘new look’ que mascara a realidade através da roupa – é esta a proposta de Burnish.